30 de setembro de 2005

Febre - por Anukis

Sentia o corpo todo dolorido. Costumava aguentar todas as doenças e maleitas de pé. Nunca tinha tempo para estar deitada a dormir quanto mais a ficar doente. Vivia sozinha e habituara-se a não precisar de ninguém. Mas, desta vez, tinha mesmo que se deitar. O termómetro marcava 40,5º e chegara a um nível que ela já não conseguia aguentar.
- Maldita gripe, resmungou para si mesma. Para o ano, tomo a vacina.
Não se lembra bem como nem quando, entrou em delírio. Tinha tomado uns medicamentos quaisquer que a médica tinha recomendado. A febre ainda não baixara e ela não conseguia mexer-se nem sequer raciocinar claramente. Tinha apenas em cima do corpo o lençol e mesmo assim sentia-se deitada em cima dum lago.
- Tenho que mudar de roupa ou meter-me na banheira com água morna para baixar a febre, pensou já em delírio.
Não conseguia levantar-se e adormeceu dum sono povoado de sensações estranhas. Havia uma mão que lhe tirou os cabelos colados ao rosto. Passava-lhe algo de húmido na testa e no pescoço. Hummm que sensação refrescante. A mão, talvez duas, não se lembrava bem, acariciavam-lhe o corpo. Pareciam orvalho acabadinho de cair de madrugada. Começou a desejar que aquelas mãos não parassem, que a envolvessem toda, que as mãos tivessem corpo, boca e língua, que pertencessem a um homem que a desejasse de igual forma. Só queria que não parassem. Tornar-se-ia flor para ele: o clítoris em orquídea só para ele.
As mãos pareciam ouvir os seus pensamentos. Das mãos nasceram uma boca que lhe murmurava palavras de amor, uma língua que a deixava doida e um corpo que era pele a roçar a pele dela. Afinal já não amaldiçoava a gripe. Há muito que tinha esquecido estas sensações e agora recordava o quanto eram deliciosas.
- Hummm mãos, boca, língua, pele. Vem até mim, disse ela em súplica.
E foi ouvida: sensações, prazer, deleite, êxtase...
Acordou no dia seguinte, já sem febre e com o corpo relaxado e cheiroso, apesar da febre.
- Tenho que parar de fantasiar - pensou ela.
E virou-se para a mesinha de cabeceira para beber um pouco de água. Ficou atónita. Havia uma caixa de dodots que nunca tinha visto antes. Como tinham lá ido parar?...

Anukis

29 de setembro de 2005

A Rosa da Pastelaria - por Charlie

(continuação dos Cobertores do Ti Ferro)
Esperou que eu saísse com o meu sorriso enigmático cheio de pensamentos sobre o Ti Ferro.
Desejei do fundo do coração que ele tivesse encontrado aquele grande amor que lhe correra mal e que lhe marcara toda a vida.
Despedi-me do idoso e saí.
Lá dentro da pastelaria, a proprietária voltara ao espaço destinado ao público e olhava para mim, que me afastava devagar atravessando a rua.
Rosa, assim era o nome dela, deixou os pensamentos vaguear pelos anos decorridos até ao dia em que entrara pela primeira vez na drogaria do António Ferro. Ia comprar apenas um pouco de palha de aço. Tinham acabado de montar a pastelaria e queria tudo num brinco. Umas persistentes manchas nuns azulejos junto à casa de banho teriam de ser retiradas a bem ou a mal.
Entrou na drogaria, descendo um degrau. Naquela zona de Lisboa de declives acentuados é frequente parte das casas estarem abaixo do nível do solo. Encarou o António pela primeira vez, que a mirou também. Sem dizerem quase nada ele aproximou-se e tocou-lhe na face com as costas da mão. Ela sentiu-se invadida por uma sensação que nunca havia experimentado antes. Era casada havia três anos e jamais sentira com o marido o que de repente lhe estava a acontecer. O coração a acelerar, a respiração em ritmo curto e a pele em erupção.
Sem desviar o olhar disse-lhe ao que vinha e ele entregou-lhe o pedido. Olhou mais uma vez para ela, vendo como o olhar não se desviava. Abriu a gaveta, e deu-lhe a chave. Disse-lhe:
- Depois das seis horas. Essa chave é a das traseiras. Onde está uma tabuleta a dizer bar.
Eram quase sete quando o António sentiu a chave na porta. Ela abriu-a e ficou olhando para o interior. Hesitando entre o passo que queria dar e a vontade da fuga daquela loucura.
António saiu ao seu encontro e puxou-a para dentro. De imediato apertou-a nos braços e beijou-a. Ela rendeu-se completamente e correspondeu. Os corpos num abraço apertado e as línguas em delírio total como se quisessem fundir-se num só corpo, numa só alma.
O que teria aquele homem para tê-la atraído assim? Num rebate de consciência veio-lhe a ideia do marido à mente, da sua dedicação... mas isto?... Isto era a aventura pura. Tinha o corpo a ferver. Ele esperou um pouco e perguntou-lhe baixinho e pausadamente o que queria tomar.
Perante a hesitação dela, ele avançou no lance e preparou dois cocktails onde um dos ingredientes era um pouco de água da torneira. Molhou os lábios, era doce e ao mesmo tempo de gosto férreo forte. Bebeu mais um pouco e sentiu o calor do álcool descer lentamente até ao estômago, invadi-la e espalhar-se num desejo que lhe tomava todo o ser. Os olhos de ambos
irradiavam a loucura dos corpos em efervescência.
Num salto subiram as escadas e atiraram-se sobre a cama. As mãos navegando no Tejo dos corpos, as línguas numa dança louca, esvoaçando nos céus das bocas no meio das gaivotas que gritavam em triunfo sobre a grande clarabóia.
Nem deram pelos instantes em que os ventos da paixão lhes levaram as roupas; velas dos mastros que se desprendem sob a fúria das tempestades.
Penetrou-a lentamente, apesar dos corpos pedirem tudo, enquanto lhe mordiscava e lambia os peitos. Sentiu todo o seu corpo estremecer de prazer.
Ela nem podia acreditar no que estava a fazer. Filha de pequenos comerciantes, moradora na Praça da Figueira, escapara incólume aos piropos e brejeirices do Terreiro do Trigo, Campo das Cebolas, Chão do Loureiro e demais sítios onde os triângulos amorosos competiam com as aves ribeirinhas por um lugar onde pousar no mastro de qualquer embarcação de breve estadia.
Só conhecera o homem com quem casara.
O namoro com o seu marido, fora de sete anos. Coisa séria. Um beijo, coisa insípida, só ao fim de meses, e uma breve estreia dos prazeres da carne só umas semanas antes do casamento.
Mas agora, estava em pleno vulcão prestes a explodir. Com um homem dentro dela que mal conhecia. Presa por um sentimento que nem pensara ser possível existir. Sentiu de repente que vivera toda a sua vida rodeada dum cenário de papel e que bastara um breve gesto para esfaquear a ilusão e ver o mundo com todas as cores que estavam para lá da sua redoma.
Penetrou-a mais até sentir-se todo dentro dela. Empurrou-se mais para dentro e ela acompanhou-o apertando mais o corpo, com os olhos fechados, abertos para o vislumbre do Paraíso que sentia chegar a todo instante.
Ele fechou os olhos, repetiu a penetração, rodou o corpo e perante ele surgiu o rosto do grande amor da sua vida que ficara perdida numa partida fera pregada pelo destino. Duas lágrimas correram-lhe pela face e salgaram os lábios dela, dando-lhe o sabor ao mar imenso que estava vivendo, e onde ele navio em tempestade era, sem que ela soubesse, uma alma em naufrágio
pelo amor perdido.
Num estremecimento mútuo, todo o rio se precipitou numa enxurrada naquele quarto enquanto o céu caía da clarabóia para dentro daquelas duas almas perdidas no abraço breve à eternidade...

Charlie

24 de setembro de 2005

Os cobertores do Ti Ferro - por Charlie

Conheci-o numa das minhas voltas pela Lisboa antiga, numa altura em que se podia
ouvir cantar o fado, atrás das janelas, andando às cegas pelas ruas de Alfama,
subindo direito às sombras do Castelo e descendo depois para as ruelas que acabavam num abraço junto ao rio.
Olhei para aquela montra e entrei. Perguntei pelo preço dos cobertores que estavam na montra. Só depois de ter feito a pergunta é que reparei no despropósito. Era uma drogaria, com todas as coisas próprias deste tipo de negócio e onde mantas e cobertores não tinham aparentemente lugar.
Ele sorriu e disse-me:
- Dão sempre jeito na mala duma carripana de qualquer jovem.
E, dizendo isto, foi buscar uma e embrulhou-a, dando-me o preço com um pequeno desconto para acertar o valor. Ao mesmo tempo, entrou um homem que pediu um garrafão de água férrea. Ele pegou num garrafão, dirigiu-se à parte de trás do estabelecimento e voltou depois com o dito já cheio. O cliente pagou e saiu.
Fiquei curioso. Perguntei-lhe se tinha uma nascente e ele, vendo-me na ignorância e preso à ingenuidade da minha juventude, disse-me encostando a porta:
- Você é jovem, não é de cá... pensei que soubesse. Mas deixe dizer-lhe umas coisas.
Deixe-me ajudá-lo nestas questões da vida.
E puxou-me para a parte de trás da loja. Era um bar pequeno, completo com bebidas, dois bancos altos e uma mesa junto à porta para a rua das traseiras, que estava fechada.
- É aqui onde me entretenho depois das horas do expediente, agora siga-me!
No cimo das escadas havia um pequeno quarto, sem janelas mas com uma enorme clarabóia a iluminar uma cama e uma cadeira.
- E aqui é para onde as trago depois de um copo, mas quase sempre isso só acontece à primeira vez, porque à segunda querem logo vir para o quarto,sem mais nada! Elas entram na loja para comprar uma merda qualquer, tipo 5 escudos e gesso e eu dou-lhes a chave do bar. Voltam mais tarde quando já estou fechado. Nunca entram pela porta da frente. Como o bar nunca abre e a rua de trás é só de armazéns, tenho aqui o ideal para papá-las sem dar nas vistas.
Ficou olhando para mim e de repente acordou:
-Ah, pois, a água. As coisas são muito engraçadas. Esta água é da torneira, mas não sei se é de um cano ferrugento ou não sei que coisa possa ser, ela tem um sabor férreo e propriedades especiais.
Piscou-me o olho:
- Tem um efeito afrodisíaco. Queres levar uma garrafa, miúdo?
- Não preciso. Veja lá se com 23 anos queria que me faltasse a tusa.
- Pois a mim já me faltou com a tua idade, uma só vez e foi logo com uma gaja que me pôs maluco.
Olhou para mim e disse em jeito de sentença:
- Nunca te apaixones. Fode-as o mais cedo possível e passa para a seguinte. Conselho de quem sabe!
Já era a segunda vez que ouvia esse conselho no espaço de uma semana. O meu parceiro de cowboiadas e noitadas, um pouco mais velho que eu, já me dissera o mesmo. E logo eu, que sempre ligara os olhos de uma mulher a um naco de poesia a correr num rio de emoções ao primeiro toque dos lábios. Ele adivinhou os meus pensamentos e interrompeu-me:
- Quando as abordares pensa com a pila e não com o coração - e piscou-me o olho.
Abriu-me uma gaveta e mostrou-me um livro com nomes e cruzes. Cada nome uma mulher, cada cruz uma queca.
- Pensas que estas gajas não tem em casa afecto e carinho? Pensas que elas não tem quem as aqueça à noite e lhes faça sentir a poesia de dormirem agarrados um ao outro? Não é isso que elas procuram! Querem sexo puro e selvagem. Aventura! Foder! Sem compromissos.
Esperei um pouco olhando para ele e perguntei-lhe:
- Quando você está com elas pensa em quem?
Desviou os olhos para o chão e não me respondeu, mas eu disse-lhe:
- Pensa nela...
Ficámos a fitar-nos uns segundos eternos. Sem respirar, a medir-nos, a pesar coisas. Como que a querer terminar a conversa, disse-me:
- Nunca laves o cobertor. Eles são mergulhados nesta água antes de eu os pôr à venda...
Voltei anos mais, já sem o carro que tinha e sem o cobertor, e procurei pelas ruas a drogaria do Ti Ferro. Não a encontrei mas no lugar onde me parecia ter sido, havia um enorme buraco no chão e uns escombros resguardados por tapumes.
Desci uns bons cinquenta metros e entrei numa pastelaria antiga que já existia nesses distantes anos. Perguntei à senhora já idosa que estava ao balcão pela drogaria, mas ela respondeu que nunca se lembrara de haver ali nada. Retirou-se para o interior e de uma mesa respondeu um senhor, já idoso também:
- Ela não gostava dele. A minha mulher ia lá buscar coisas que precisava e tinha de voltar mais tarde reclamar que ele tinha aviado as coisas mal e havia sempre trocas a fazer. Um valdevinas! Olhe aquilo ruiu tudo com uns canos que rebentaram debaixo da casa. Ele foi-se embora. Encheu o carro com uns garrafões e umas mantas e nunca mais o viram. Partiu. Disse a uns que vêm aqui às vezes que ia resolver um assunto antigo...
Sorri.
Desejei do fundo do coração que ele a tivesse encontrado....

Charlie

18 de setembro de 2005

Encomenda - por Anukis

Já não sentia o próprio corpo. Regressava a casa, após mais um dia entendiante e cansativo. Entrou no prédio carregada de sacas de compras e, claro, a porta estava fechada. Quando vinha sem nada, estava sempre escancarada para trás. Procurou a chave no meio do caos da sua mala. No finzinho de tudo. Já que estava ali, foi ver qual das simpáticas contas para pagar lhe tinha escrito. Nenhuma.
Ao invés, tinha lá uma pequena encomenda de correio verde. Para ela?! Devia ser engano! Não... Era mesmo para ela. No remetente, um apartado qualquer. O que seria?! De quem seria?! Enfiou a caixa numa das sacas e dirigiu-se para o elevador.
Uns andares mais acima, abriu a porta. O cão ladrou. Sinal da sua chegada. Alerta aos vizinhos. Pousou as sacas na cozinha. O cão deu uns pinotes de contentamento. Bifes para mim, parecia ele dizer. Meteu no frigorífico os frescos e os congelados. Tirou o casaco e pegou na encomenda. Abanou-a. Não emitia qualquer som e era leve. Com uma faca, tirou a fita-cola e abriu-a. Corou violentamente! Uns boxers! A caixa trazia uns boxers dentro, e masculinos! Ainda bem que não tinha cedido à curiosidade e não tinha aberto a encomenda à frente do vizinho do 8º andar que costumava galá-la com o olhar no elevador. O coração batia quase dolorosamente com o espanto. "Depois penso nisso", falou para si própria. Foi tratar dos seus afazeres. Jantar. Loiça. Umas roupas para pôr a lavar e estender. Minutos que se transformaram em horas passaram sem que os pudesse agarrar.
Banho. Merecia um duche bem quente para descontrair o corpo mortiço. Mmmm a água pelo rosto e pelo cabelo. Lavou-o bem lavado. Ensaboou-se sempre com água quente a correr pelo corpo, pelos ombros e pelo pescoço, doce massagem. Já não se lembrava da última vez que umas mãos lhe tinham massajado o pescoço, nem que um homem a tivesse acariciado. Vivia fechada sobre o próprio corpo, sarcófago de sensações adormecidas. Enrolou-se no roupão. Secou o cabelo numa toalha. Passou creme para amaciar a pele. Vestiu a sua camisa de noite avermelhada que tinha comprado num desses dias, em que lhe apeteceu fazer uma loucura. Para quê? Ninguém nunca a tinha visto, nem nenhumas mãos lha tinham tirado.
Deitou-se na cama, cabelos ainda húmidos, refrescantes na almofada. Na mesinha de cabeceira, em cima do habitual livro: a encomenda. Tirou os boxers da caixa. Eram simplesmente brancos. A medo, aproximou-os do nariz. Cheiravam a qualquer coisa que não sabia bem definir. Cheiravam-lhe a homem. Imperceptivelmente, ficou acelerada. Apeteceu-lhe tirar a camisa e sentir a frescura dos lençóis na pele. Tirou as cuecas. Cheirou-as. Tinham cheiro a sabão porque tinha acabado de as vestir, ainda não tinham guardado o seu próprio cheiro. Apeteceu-lhe sentir a textura dos boxers pelo corpo. Acariciou-se ao de leve com eles no peito, sobre a barriga e na parte interna das coxas onde a pele era mais tenra. O cheiro dele tinha-lhe ficado retido nas narinas. De olhos fechados, imaginou-o ali ao lado dela.
Ele aproximou-se. Encostou o seu corpo nu ao dela. Sentiu um frémito irresistível. Ele, na sua boca. Ele, no seu pescoço. Ele, agarrado às suas nádegas. Uma mão entreabre-lhe as pernas. Um dedo atrevido no seu sexo. Respiração acelerada. Dedo dominador que a tomou sem reservas. Não há qualquer pudor no desejo que cresce por dentro de uma forma quase violenta. Geme, mas apetece-lhe gritar, dizer-lhe coisas obscenas ao ouvido. Que ficaria ele a pensar? Pergunta perdida no meio do furacão de sensações que se abate sobre ela, com aquele dedo que simplesmente não pára, nem pretende parar. Chora. É demasiado. Não consegue conter as sensações dentro do corpo tanto tempo fechado.
Abre os olhos. Ele não está ali, mas está. O cheiro dele fez emergir nela a vontade de ser mulher, de voltar a sentir, de ceder aos impulsos e aos desejos. Paz. Corpo aberto. Corpo saído do sarcófago da insensibilidade. Agora, ela era todo corpo.
Adormece nua, agarrada aos boxers, a pensar que amanhã tem de descobrir de quem são...

Anukis
Estórias duma deusa

A deusa Anukis amamenta
Ramses II, já adulto

Queres ver uns boxers brancos? Crica aqui

16 de setembro de 2005

Anúncios parecidos

A malta da Coloribus.com (*) diverte-se com a publicidade quase tanto como eu.
Têm uma colecção engraçada de anúncios eróticos.
Mas o que nos traz aqui hoje é a sexão (sim, sim, secção de sexo... ou sexo enorme) dedicada a anúncios parecidos. Entre muitos outros, aparecem estes:

sorrisos verticais

(*) experimenta cricar no aviso "Do not press this red button" na página de entrada... (mas antes liga o som).

8 de setembro de 2005

"Publicidade - todos a fazemos"


Anúncio a promover a publicidade
(crica que alarga)

Este anúncio à Advertising Week 2005 causou muita polémica entre feministas, religiosos fervorosos e puristas em geral.
Eu acho um mimo... e uma grande verdade... hmmm...

7 de setembro de 2005

Um simples SMS... - por Charlie

Histórias de sol e sal na primeira pessoa

Estava um fim de tarde daqueles em que só apetece subir pelas paredes.
As estâncias de veraneio têm a virtualidade de nos libertar o corpo e de fazer-nos arrepiar a pele nos desejos que à nossa frente se nos oferecem.
Tudo corre ao sabor do vento que carrega a leveza das ondas que nos lavam a mente.
Nas areias, ao entardecer, a quase nudez entra-nos olhos adentro e transporta-nos lá, onde todos queremos estar.
Naquela ilha, onde só existimos nós e o paraíso no corpo de quem olhamos e cobiçamos.
Depois de observar, desde a praia dos pescadores, os e as resistentes adoradores do pôr do sol, resolvi beber uma caneca de boa cerveja holandesa na esplanada de um bar muito próximo, onde se consegue seguir todo o tumulto do movimento da noite que se aproxima. Ao mesmo tempo vê-se quem vem da praia e foi assim que a conheci.
Inglesa, dos seus trinta e poucos anos e divorciada duas vezes, com um namorado que tinha ficado em Iglaterra.
Depois de ter tomado um belo golo da cerveja, tirei o telemóvel e comecei a digitar uma mensagem para uma pessoa amiga. Levantei o aparelho e. com o cotovelo em cima da mesa e o polegar em dança contínua, dei com os olhos dela a olhar para mim.
- Quem pensa que está a fotografar?
Ri-me para ela. De facto, não esperava que alguém se viesse meter comigo. Descansado na minha mesa a beber uma caneca...
- Desculpe - disse a rir como convém - mas eu só estava a digitar uma short message e... - olhando bem para ela verifiquei como era bonita e alterei o discurso - ... mas sente-se comigo e tome algo. É minha convidada.
- Por quem me toma? Eu só quero que o senhor apague a foto que me tirou sem autorização.
Nesse meio tempo eu já me tinha levantado e chamado o empregado. Pus-me ao lado dela e baixinho disse-lhe para se sentar que eu ia mostrar-lhe as fotos do meu telemóvel. Assim ela poderia verificar que não lhe tinha tirado nada.
- Toma...?
- Pode ser uma cerveja, também... - disse ela sentando-se enquanto verificava o meu telefone. Olhava para mim com breves olhares e regressava ao visor.
O momento era de expectativa.
Durante uns segundos esperei a reacção. Depois tudo se desanuviou com o quase repentino acender das luzes nocturnas. Vi como ela mordia os lábios com algumas coisas que lhe iam aparecendo pela frente. Entretanto eu ia-me rindo por dentro.
Perguntei-lhe se estava só, ao que ela respondeu que tinha vindo com uma amiga, além das outras coisas que já referi anteriomente. Pediu-me desculpas e disse-me que sabia de casos de fotos que apareciam com montagens na Net.
Esperei um pouco enquanto ela me mirava, bebendo um pouco e concentrando-se em mim.
Respondi-lhe, a olhar muito fixamente nos olhos, que eu montar, montar, só de uma maneira...
- Posso demonstrar-lhe como faço - disse-lhe num suave sorriso enquanto o meu pé descalço subia pelas pernas dela, que se ajeitavam para receber-me enquanto a cerveja fresca me afogava a alma em golfadas de prazer.

Charlie

6 de setembro de 2005

Contos de sol e sal na primeira pessoa - por Charlie

Tinha estado um daqueles dias de sol que apetece.
Pela tarde a praia estava a abarrotar de gente. Muitos a secar e outros tantos a molharem-se de água e sal, em divertimento.
Passeando pela areia, onde o mar joga com a secura e a firmeza da transição nos permite andar mais depressa, ia eu olhando para os corpos lindos de mulher expostos aos olhares e às mãos bronzeadoras do sol.
Uma chamou-me a atenção.
Estava meio deitada, com um cotovelo apoiado e segurando com a outra mão uma máquina fotográfica.
Olhei para ela e ela sorriu. Fiz para ela uma pose a fingir e ela riu-se mais. Dirigi-me a ela. Era italiana mas arranhava castelhano.
- Não quero estragar com a minha imagem a tua máquina. - disse-lhe, sempre a rir - Queres que te tire umas fotos,não é?
E acto continuo bati-lhe umas quantas de corpo inteiro e outras duas de meio corpo.
Convidei-a para tomar algo refrescante mas ela disse que tinha vindo com uma colega.
- Ela saiu há mais de duas horas com um namorado que arranjou para aí.
- Então vamos nós - desafiei-a.
Arrumou as toalhas e seguimos.
Perguntei-lhe como se chamava, o que fazia na vida e essas coisas que pouco interessam quando o que queremos é beber nelas o calor que os seus corpos nos lançam.
Engolimos umas cervejas e passados vinte minutos estávamos no quarto dela a afinar as aberturas e a testar os enquadramentos.
Passámos à fase das poses e acabámos os dois no quarto escuro a fazer umas ampliações e montagens.
Sempre gostei do quarto escuro. Focar, enquadrar e montar. Dar o tempo certo e mergulhar na tina. Ver surgir do nada o objecto no revelador e na altura certa metê-lo no fixador, foi sempre um fascínio que me levou a ter paixão por esta parte desta tão nobre arte.
Outros gostarão mais de ter a máquina na mão e um olho tapado e outro aberto. São afinal estes os verdadeiros mestres. Os que sabem usar a mão na máquina e pôr o olho no rolo.
Eu fico-me pelo ponto de luz no meio da escuridão que tanto me atrai.
Desta tarde de praia levo uma boa recordação dumas fotos bem tiradas...

Charlie

4 de setembro de 2005

O Fetiche - por Charlie

Era uma mulher imensa.
As suas mamas eram tão descomunais que conseguiam ultrapassar o perfil da barriga, ficando bem uns dez centímetros, assim de sobressalientes que eram.
Mas não se julgue que só nas mamas ela era algo de extraordinário. Não! Todo aquele aparato não era mais que um expoente do seu físico, verdadeiro prodígio de gorduras acumuladas anos a fio.
Nem sempre fora assim. Na verdade nunca fora magra, mas desde que conhecera aquele que haveria de ser o seu marido que as coisas pioraram de dia para dia.
Ainda na fase do namoro, ele encharcava-a de doces e bombons. Mas depois de casados é que as coisas descambaram para o perfeito exagero, com o dedicado parceiro de núpcias a conseguir a proeza de engordá-la vinte e cinco quilos num mês. Perante as conversas, atenções e reparos que a família dela lhe puseram, ele decidiu cortar radicalmente com eles.
- Basta! - Terá ele dito. - A mulher casou comigo e eu não casei com a família!
E postas as coisas nesta perspectiva, levou-a com ele, perfeitamente perdida em sentimentos contraditórios.
Por um lado sentia-se mal com o avolumar sem cessar do seu corpo. Por outro, ele mostrava-lhe tanto amor e os seus gestos eram tão carinhosos...
Sentia que lhe devia tudo na vida. Sentia que só ele poderia ser o único homem da sua existência. Devia-lhe toda a gratidão que alguém pode ter.
Quando faziam amor, ele deliciava a perder-se nos imensos peitos dela enquanto todo aquele mar de gordura o envolvia. Todo o seu corpo franzino mergulhava no sexo infinito daquela monstruosidade!
Ela sentia como ele gostava dela e como se sentia feliz no que a qualquer homem seria motivo de repulsa. Não lhe era possível alterar as coisas. Entrara na rotina.
E assim continuou a sua vida, cada vez mais isolada em progressão de espiral negativa, com cada vez menos amigos e cada vez mais atenções do Ismael, era assim que o seu marido se chamava.
O casamento durou sete anos.
Tudo se degradara no dia em que ela, a Ismara, se sentira mal e chamara os serviços de emergência médica.
Perante o que os paramédicos de serviço viram, o resultado só poderia ter sido este. Foi com um imenso espanto que se estatelaram virtualmente contra uma criatura imensa, sem roupas que lhe servissem e que utilizava apenas uns lençóis para se cobrir.
Após duras tentativas, sempre repelidas pelo Ismael, conseguiram ordem judicial. Foi levada sob escolta policial e internada.
A pouco e pouco ela foi recuperando a saúde. Colocaram-lhe uma banda gástrica. Foi-lhe dado apoio psicológico e, quando saiu, estava irreconhecível.
Ismael é que ficou destroçado. Ficara sem a sua mulher.
Separaram-se. Sem uma palavra, sem um olhar para trás.
Aquela mulher imensa. A que lhe preenchera todas as fetiches e fantasias. Agora ela, a Ismara, era apenas uma mulher vulgar. Igual às outras que enchiam essas cidades. Umas lambisgóias sem carnes onde um homem se pudesse deliciar. A relação quente que antes existira esfriara completamente. Também ela era outra. Com a sua auto-estima recuperada, via agora como tinha estado casada até essa altura com um monstro que a transformara à sua medida.
Reparou como outros homens olhavam para ela. Com admiração e olhares significativos.
Agora, saía com homens que a enchiam de amor e virilidade, de afecto e sexo, e pensava arrepiada como pudera chegar ao ponto onde chegara.
Lá longe na cidade, um homem andava pelas ruas. Só e acabrunhado, perseguindo sombras e maldizendo o dia em que se deixara vencer pelos malucos das dietas que lhe tinham roubado a mulher.
Um dia, porém, deu uma entrada no seu diário:
- Querido diário - escreveu ele - hoje encontrei finalmente a mulher da minha vida. É ainda jovem e tem 150 quilos. Estive a falar com ela e combinámos encontrar-nos. Convidei-a para
jantar e ela aceitou comovida. Sou o homem mais feliz do mundo. Comprei duas caixas de bombons...

Charlie